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sábado, 6 de outubro de 2012

TEXTO DA REVISTA BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA


RESUMO
Considerando-se que existem diferenças importantes na maneira como as emoções são vivenciadas e expressas em diferentes culturas, a apresentação e o manejo do transtorno afetivo bipolar sofrem influência de fatores culturais. O presente artigo realiza uma breve revisão da evidência referente aos aspectos transculturais do transtorno bipolar.
Introdução
O transtorno afetivo bipolar (TAB) corresponde a um dos mais prevalentes e potencialmente graves transtornos psiquiátricos. Caracterizado por oscilações importantes do humor entre os pólos da exaltação (ou euforia) e depressão, apresenta curso recorrente e crônico, implicando em elevado grau de morbidade e incapacidade para seus portadores.1
Do ponto de vista fisiopatológico, postula-se que o TAB está relacionado a disfunções nos circuitos cerebrais relacionados à regulação das emoções. Considerando-se que há diferenças importantes na maneira como as emoções são vivenciadas e expressas em diferentes culturas, é natural inferir que o diagnóstico de TAB e seu manejo se encontram sob influência de fatores culturais.2 O clássico estudo US-UK, realizado na década de 60, demonstrou que os critérios utilizados para caracterização de estados de mania e esquizofrenia pelos psiquiatras britânicos diferiam bastante dos utilizados pelos americanos.3 Este estudo, que muito influenciou o desenvolvimento do DSM-III e sua nosologia, corresponde a uma das primeiras evidências de diferenças transculturais relacionadas ao diagnóstico de TAB.
O presente artigo realiza uma breve revisão dos principais aspectos relacionados à prevalência, diagnóstico e tratamento do TAB em diferentes etnias e culturas.

As atuais classificações dos transtornos mentais e o transtorno afetivo bipolar: aspectos transculturais
O TAB encontra-se codificado de maneira semelhante nas duas principais classificações das doenças mentais atualmente disponíveis: o DSM-IV4 e a CID-10.5 Em ambas, o TAB corresponde a uma categoria distinta dos quadros depressivos unipolares. Enquanto na CID-10 o diagnóstico de TAB é feito com base na presença de pelo menos dois (ou mais) episódios de alteração de humor (dos quais ao menos um deve corresponder a um episódio maníaco ou hipomaníaco), no DSM-IV a presença de um ou mais episódios de mania ou hipomania permite efetuar o diagnóstico de TAB tipo I ou II, respectivamente. Nenhuma das classificações inclui o diagnóstico de "mania unipolar", conforme constante na CID-9, mas a CID-10 permite a classificação dos pacientes como portadores de um episódio maníaco único, pacientes estes não considerados como portadores de TAB.
Por ocasião da elaboração do DSM-IV, a necessidade de que os critérios adotados pelo mesmo pudessem dispor de validade nas diferentes culturas foi levada em consideração. Disso resultou o "Apêndice I", o qual inclui um plano para a formulação cultural de cada caso - constituída por dados relativos à identidade cultural do indivíduo, explicações culturais para sua doença, fatores culturais relacionados ao ambiente psicossocial e ao nível de funcionamento, elementos culturais do relacionamento entre o indivíduo e o clínico, e avaliação cultural geral para diagnóstico e cuidados - e um glossário de síndromes ligadas à cultura. Além disso, em várias categorias diagnósticas foi incluído um tópico denominado "Características específicas à idade, à cultura e ao gênero", contendo informações especificamente relacionadas ao transtorno em questão. No caso dos transtornos de humor, várias considerações são tecidas no que se refere a importantes variações culturais na maneira como os episódios depressivos são experimentados; porém, nada é dito especificamente em relação a episódios maníacos. No caso do TAB tipo I, é afirmado que "não existem evidências de uma incidência diferencial de TAB com base em raça ou etnia", e que "os clínicos podem tender a superdiagnosticar esquizofrenia (ao invés de TAB) em alguns grupos étnicos e em indivíduos mais jovens".4
Em razão de seu caráter universalista, a CID-10 acabou por se tornar por demais abrangente, ignorando características específicas dos transtornos mentais em diferentes regiões ou grupos. Apesar de ser um instrumento da Organização Mundial da Saúde para ser utilizado em países extremamente distintos do ponto de vista sociocultural, não há na CID-10 qualquer menção a diferenças no que se refere à caracterização e ao diagnóstico do TAB em diferentes etnias ou culturas.
As observações acima ilustram a dificuldade existente no estudo do transtorno bipolar como entidade nosológica transcultural. Considerando-se que as duas classificações mais comumente utilizadas são precárias no que se refere a estas questões, diagnósticos efetuados em culturas diferentes da ocidental, com base nos dois referidos sistemas diagnósticos, devem ser vistos com cautela. Mais ainda, instrumentos diagnósticos para TAB totalmente baseados nos critérios e diretrizes do DSM-IV e da CID-10 são muitas vezes traduzidos e aplicados em diferentes culturas sem que um processo de validação transcultural seja realizado. Sua validade, bem como os diagnósticos obtidos através deles, pode ser, portanto, questionada em populações ou etnias específicas.6
 Aspectos transculturais no tratamento do TAB
O manejo dos transtornos mentais em diferentes ambientes terapêuticos pode sofrer a influência de fatores étnicos e culturais. Entretanto, estudos abordando este aspecto no tratamento do TAB são surpreendentemente escassos.
Nos Estados Unidos, pacientes psiquiátricos pertencentes à raça negra parecem apresentar uma maior probabilidade de receberem medicação psicotrópica suplementar ("se necessário") ou de serem submetidos à contenção física quando internados.24 Em estudo retrospectivo enfocando especificamente o manejo psicofarmacológico do TAB, foi demonstrado que adolescentes afro-americanos internados com diagnóstico de TAB estavam duas vezes mais sujeitos a receberem antipsicóticos que pacientes caucasianos portadores do mesmo diagnóstico.25 É possível que tal fato esteja ligado à superestimação da presença de sintomas psicóticos em indivíduos pertencentes àquela etnia.
Em estudo recente, Mitchell & Romans26 avaliaram o papel de crenças religiosas e da espiritualidade no manejo do TAB. Pacientes portadores de crenças religiosas ditas "fortes" apresentaram menor taxa de aderência ao tratamento medicamentoso que aqueles com crenças consideradas "fracas". Além disso, quase 25% dos pacientes relataram a presença de conflitos entre as orientações dadas por profissionais de saúde mental e aquelas provenientes de conselheiros espirituais (com os últimos afirmando, por exemplo, que os pacientes deveriam interromper o tratamento medicamentoso, contrariamente à orientação de seus médicos).
Moussaoui & Kadri27 relataram dois interessantes estudos realizados com pacientes bipolares e seus familiares no Marrocos: em um deles, demonstram como um ambiente cultural de moral extremamente rígida lida com episódios maníacos em mulheres e as conseqüências sobre o tratamento e, em outro estudo, relatam a ocorrência de recaída em pacientes bipolares anteriormente estáveis com lítio em função do jejum e mudanças em seu cotidiano durante o Ramadã.
Por fim, estudos farmacogenéticos apontam para diferenças na resposta terapêutica do TAB relacionadas a determinados genótipos, alguns dos quais certamente ligados a etnias específicas.28 Tal aspecto, embora sem dúvida parte do estudo dos aspectos transculturais do tratamento medicamentoso do TAB, não será abordado na presente revisão.

Conclusões
O objetivo do presente artigo não foi o de realizar uma extensa revisão sobre TAB e psiquiatria transcultural, mas sim o de abordar alguns dos aspectos referentes a este tema, lançando algumas questões a serem consideradas. Primeiro, as atuais classificações psiquiátricas comumente adotadas parecem precárias no que se refere especificamente a variações transculturais no TAB. Segundo, não parece haver evidência de que indivíduos pertencentes a determinadas etnias estariam sob maior risco de apresentar TAB. Terceiro, aspectos étnico-culturais parecem influenciar a apresentação clínica, o diagnóstico e o tratamento desta doença.
Finalmente, é interessante notar que a literatura referente ao tema em questão é basicamente proveniente de países desenvolvidos. A avaliação de aspectos socioculturais na expressão clínica e possíveis influências no acesso e modalidades de tratamento dos transtornos de humor (particularmente do TAB) na população brasileira corresponde a um campo de pesquisa de grande interesse, até o momento não explorado.




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